A Conectaret conseguiu reunir no mesmo espaço e tempo dois prazeres da vida: comer pizza e filosofar. A primeira edição do Filosopizza contou com a participação da psicóloga e filósofa Viviane Mosé, na Pizzaria Villa Floriano, centro de Belo Horizonte, ontem à noite. A ação cultural ficou por conta do palhaço Márcio do Coletivo Mundicá.

Viviane Mosé é psicóloga de formação, doutora em filosofia e leciona na Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória. Com vivacidade e leveza, Mosé apontou críticas ao modelo de sociedade piramidal, verticalizada e heteronormativa, hegemonizada pelo machismo tóxico.

Para ela, esse modelo está em vias de esgotamento, e as mulheres e jovens são portadores do gérmen da nova sociedade que se edifica nos escombros da antiga. Porém, os agentes do conservadorismo se unificam no mundo inteiro para impedir a nova aurora da humanidade.

O modelo de sociedade piramidal é representado por Mosé pelo homem branco, machista e endinheirado, que busca no poder material oprimir e arruinar a vida de bilhões de pessoas. Para que sua vontade egoística prevaleça, ele utiliza o poder repressivo condensado na autoridade do Estado. Só que o uso deste tipo de poder é um indicativo de que esse modelo está em profunda crise.

O filósofo francês Michel Foucault indicava que onde há poder, há resistência. A feminização do trabalho assalariado, o fim da polarização entre masculino e feminino, as novas formas de sociabilidade humana, sobretudo com o advento da internet, criaram as condições para a contestação e derrota deste modelo.

Para realçar um desses aspectos, Mosé enfatiza que existem hoje 52 identidades de gênero autodeclaradas e sistematizadas. O feminino não é mais monopólio da mulher, assim como o masculino não se constitui como monopólio do homem, afirmou a filósofa.

Para Mosé, pensar em rede, desenvolver relações horizontais e atuar na coletividade são práticas anunciadoras da edificação de uma nova sociedade. O modelo cartesiano de pensamento não consegue dialogar com a realidade social complexa em curso. Por isso, pensar em rede exige estabelecer conexões entre vida, trabalho e comunidade, que são próprios do raciocínio feminino. Já questionar a verticalidade das relações é uma construção social possível da juventude que se organiza para enfrentar o vazio da sociedade de mercado, inclusive através das redes sociais na internet.

A filósofa capixaba utiliza dialeticamente a metáfora do prédio em construção e do prédio em ruína. O edifício em ruína nos adoece, nos entristece e tenta retirar da humanidade sua potência criativa e transformadora. Interessa aos poderosos do prédio em ruína que o pessimismo e o imobilismo tomem conta da sociedade. Enquanto que o prédio em construção é ação, alegria e esperança. Como estamos vivendo num momento de transição, os dois modelos podem apresentar aparência similar, porém o sentido profundo de cada um é bem distinto.

"Nos tempos atuais, precisamos ter ação e alegria. A alegria de viver é revolucionária e combate o ódio, o pessimismo e a melancolia que nos transformam em pessoas fracas", Viviane Mosé. 

Para desmercadorizar a vida, a filosofia diz: conhece a ti mesmo. Mosé nos convida a refletir sobre o que nos dá prazer na vida? Para ela, a resposta a este questionamento tem que ser simples e não deve estar relacionado a qualquer posse material ou ter pernas. Por exemplo, sentir o vento tocar o rosto é o prazer da Mosé.

Outra dica de Mosé está na construção da mandala da vida. "Com quem eu posso contar para as inúmeras atividades que tenho na vida? Ser mãe, trabalhar, viajar etc. exigem a mobilização de uma série de pessoas". Neste sentido, criar um círculo de benevolência é uma forma de cuidar dos nossos filhos em comunidade. Porteiro de prédio, dono da banca de jornal, vizinha, mães e pais dos amigos dos filhos, entre outras pessoas, fazem parte desta mandala de relações horizontais e circulares que potencializam o viver bem em comunidade.

A noite de ontem não terminou em pizza. De forma muito carinhosa Mosé autografou livros de sua autoria, posou para fotos e dialogou com as e os participantes do primeiro Filosopizza em Belo Horizonte.